segunda-feira, 21 de maio de 2012

Espumas (Foam Culinary): ABC de poções mágicas da Gastronomia molecular com o Barão de Gourmandise [parte 1]


Eu vivo dizendo (e escrevendo) que a gastronomia é uma alquimia. E cada vez mais eu continuo afirmando isso.  Principalmente quando tenho oportunidade de me deliciar com as maravilhas revolucionárias da gastronomia molecular.
Pensando nisso e apoiado no fato que a gastronomia molecular não é ainda muito conhecida/difundida pelo solo brasileiro, a minha missão  de hoje é tentar  esclarecer um pouco deste lado ainda mais mágico da gastronomia.


A Europa e a Ásia são as precursoras deste assunto e foi observando estes dois continentes que se pode, por exemplo, encontrar dois conceitos específicos que fazem a diferença: existe a Gastronomia Molecular e Cozinha Molecular. E os profissionais que se utilizam delas não gostam muito quando os termos são empregados de forma equivocada. Então, para não errar, entendamos que:
Gastronomia Molecular: é o estudo científico dos processos químicos e físicos que ocorrem durante o cozimento. É possível criar novos métodos, técnicas e equipamentos, além de aperfeiçoar os já existentes.
Cozinha Molecular: utiliza os conhecimentos descobertos da gastronomia molecular em seus pratos.
O fato é que tanto a gastronomia quanto a cozinha molecular tem mudado as experiências dos comensais e da cozinha. Mas para chegarem a estes conceitos tudo começou com perguntinhas aparentemente bobas, como estas:  Por que aquela receita de bolo que eu fiz  à risca deu certo uma vez e na outra não cresceu? Por que meu suflê não inflou? Ou por que a minha clara em neve desandou? 
Foi com questões assim que instigaram o cientista húngaro Nicholas Kurti e o químico francês Hervé This a estudar as reações físicas e químicas que ocorrem na cocção e transformação de um alimento. O objetivo era que a cozinha fosse embasada em conhecimentos científicos e não empíricos, como era até então. 
Assim a Gastronomia Molecular foi identificada como um ramo particular da Ciência dos Alimentos, em 1988, por Nicholas Kurti, então físico de Oxford, e Hervé This, pesquisador do INRA (Instituto Nacional de Pesquisas Alimentares – França)

Hervé This
Esses cientistas fizeram descobertas interessantes, como mapear a transformação do sabor da carne, do estágio cru até o do suculento assado e revelaram que os suflês preparados em forno a vácuo tornavam-se maiores e mais aerados, porque, ao combinar calor e vácuo, as moléculas e o ar se movem do interior dos alimentos para fora. Assim, o suflê cresce mais. Experimentos culinários como esses foram chamados, então, de gastronomia molecular.
Contudo, a linha de conduta de Nicholas Kurti e Hervé This não consiste apenas em penetrar no segredo da emulsão da maionese, ou em saber a posição exata da gema no ovo, ou, ainda, em saber quais os melhores condimentos para uma bom tempero de carne. O método científico - do qual inúmeras vezes eles se servem, sem o menor embaraço -, permite que proponham novos ingredientes químicos, além de novas e audaciosas metodologias: nascimento de uma cozinha nova, ou de uma nova "nouvelle cuisine"?

Nicholas kurti
São 5 os objetivos da Gastronomia Molecular:

Criação de uma Antropologia Culinária - recenseamento e exploração físico-química das "dicas" culinárias; 
Introdução de Matemáticas Culinárias - modelização de práticas culinárias visando aperfeiçoamentos;
Experimentação - introdução de instrumentos, métodos e ingredientes novos na cozinha doméstica ou de restaurante;
Inovação - criação de novos pratos, com base na análise de iguarias clássicas;
Divulgação - apresentação da ciência ao público, considerando as práticas culinárias.

Em verdade, não poderíamos dizer que se trata de uma novidade, até porque muito dos elementos utilizados pela gastronomia e cozinha molecular já existia presente na indústria alimentícia.  O que aconteceu é que os grandes chefes deste ramo da gastronomia, dentre eles se sobressai o nome do renomado chefe Ferran Adrià (el Bulli), fizeram novos usos das matérias-primas. 
Ferran Adriá
Outros chefs que resolveram atacar esta segmentação, são: Pierre Gagnaire (restaurante homônimo, França); Heston Bluementhal (do Fat Duck, Inglaterra) dos mais conhecidos; Homaro Cantu (do Moto, EUA), este inclusive já teve parte do seu  trabalho apresentado no Discovery Channel; Hervé This, pesquisador (físico-químico) francês que esteve no Brasil no final de 2007 para uma série de palestras e workshops, além da série de três revistas sobre o tema com a tutela da Scientific American Brasil; e, Nicholas Kurti um dos pesquisadores fundadores dessa linha de pesquisa.
Por se tratar de um assunto que muitas vezes requer “material quase de laboratório cientifico”, iremos  pela primeira vez desde que este blog está on line, disponibilizar as técnicas das receitas pertinentes  na forma de vídeos, feitos por especialistas experientes , pra facilitar o entendimento. O mais gostoso é testar em casa e ver que não é difícil. 
E acredito que este tema será uma maravilha para “os professores pardal” da cozinha, aqueles que gostam de inventar criações gastronômicas com ingredientes inusitados, exóticos. Pra facilitar ainda mais a leitura e fixar o conhecimento, a gastronomia molecular será apresentada em três post’s, tais escritos serão divididos nos três métodos mais comuns da apresentação da gastronomia molecular: espumas, esterificação e geleificação.

Espumas pra que te quero...

 Ao chef catalão Ferran Adrià (el Bulli), é reconhecido pela literatura especializada como o inventor da técnica das espumas, classificado como “Foam Culinary“.
Só para entrarmos no contexto, espuma é uma substância formada quando você aprisiona bolhas de ar (ou qualquer outro gás) num líquido ou sólido.
 A técnica de fazer espuma mais conhecida na  gastronomia molecular, criada por Ferran é a que usa o sifão (garrafa de chantilly) com cartuchos de óxido nitroso (um tipo de gás). É feito um suco (de frutas, vegetais ou algum líquido com sabor) misturado com ágar/gelatina (ou creme de leite) colocado tudo dentro do sifão injeta-se o gás e está pronto. Só deve ter o cuidado para que não tenha nenhuma partícula no líquido usado que possa entupir os mecanismos do sifão.

Mousse de chocolate com Espuma de Café
Com esta mesma técnica é possível fazer merengue instantâneo ou espuma de sorvete, o procedimento é o mesmo. No caso do merengue dissolva o açúcar nas claras e coloca-se tudo no sifão. Com sorvete tem que esperar derreter, peneirar para retirar qualquer partícula.
A outra maneira de se obter a espuma ou “Foam Culinary“ é usando de lecitina de soja que não chega a ser alguma novidade, pois é usada como aditivo alimentar faz tempo. Tem o papel de emulsionar, ou seja, é emulsificante. Traduzindo: torna possível a mistura de dois líquidos que normalmente não se misturariam, como a água e o óleo. Encontrado em sorvetes, chocolates, margarinas e assim por diante.
 A utilização de espumas na história da gastronomia pode ser observada em vários preparos. Por exemplo, chantilly, merengue e mousse são todas as espumas. Nestes casos, a incorporação de ar ou outro gás cria uma textura mais leve e/ou diferentes sensação na boca.
Mais recentemente, as espumas se tornaram uma parte de gastronomia molecular técnica. Nestes casos, sabores naturais (tais como sumos de fruta, as infusões de ervas aromáticas, etc) são misturados com uma gelificação neutra com sabor ou agente de estabilização, tais como agar ou lecitina , e ou batido com um misturador de imersão de mão ou um sifão. Tais espumas adicionam sabor sem substância significativa, e assim permitem que os cozinheiros possam integrar novos sabores, sem alterar a composição física de um prato. Algumas das espumas mais famosas são: espuma de café expresso, espuma de cogumelo, espuma de beterraba e espuma de coco.


A lecitina é um pó sub-produto da soja, com características emulsificantes, usado comercialmente por exemplo em margarina e chocolate, impedindo que a água e a gordura se separem. Permite emulsionar soluções água e de sucos de frutas, de cocções ou de infusões, de fundos e mesmo de preparações a base de leite, se pode espumar praticamente qualquer líquido com ajuda de lecitina, e deve ser usado para surpreender. Como por exemplo, espumas de bebidas alcóolicas que desta maneira não ficam fortes para sobremesas. Esta espuma obtida com ajuda da lecitina, além de decorar o prato vai acrescentar um sabor ao prato com uma textura diferente e criativa. A espuma com lecitina é também chamada de vapor, ou aire (ar)  pelos chefs espanhóis,  exatamente para diferenciar da espuma que é obtida com o sifão que é mais consistente, sendo mais próximo de uma mousse. Ao contrário de outras espumas leves, que acabem virando líquido rapidamente, a espuma obtida com lecitina é mais estável, se pode até congelar, mesmo assim o prato deve ser servido rapidamente para que não se perca o impacto da preparação e da montagem. 


No Brasil, bons representantes da gastronomia molecular que tem combinado técnicas modernas e o estudo de ingredientes regionais, produtos do nosso país são: O Chef Alex Atala, do restaurante D.O.M., em São Paulo, que no momento, investiga a priprioca, raiz nativa da região Amazônic; e Chef prodigiosa Helena Rizzo, do restaurante Maní, pesquisa atualmente usos para a folha e o caule da taioba. E está encantada com o cumaru.
Assim como Atala, o nome de Helena já foi apontado com alta nota no guia espanhol Lo Mejor de la Gastronomía, do polêmico crítico Rafael García Santos. Em sua cozinha ela emprega técnicas como o sous-vide (cozimento a vácuo em baixa temperatura, a cerca de 60ºC) e a esferificação 9que veremos  em outro post), recurso que permite, entre outras coisas, modelar bolinhas de modo que elas fiquem parecidas com feijões - mas que não são feijões. Outro prazer de Helena tem sido fazer experiências com chás em pratos de sal e em sobremesas. 
Isso posto agora veremos na prática como fazer uma espuma de beterraba, usando lecitina e em seguida , aprenderemos a fazer umas espuma de morangos.

Foam Beetroot (Espuma de Beterraba  -  com lecitina de soja)
Filet de merluza negra com espuma de beterraba e batatas caramelizadas -  sugestão do  Chef  Jerome  Dardillac Foto de Peter  Kutuchian
Ingredientes: Em geral se usa de 3 a 8 gr de lecitina por litro de líquido (suco de beterraba)
Preparo:
Não utilizar recipiente plástico para o líquido da espuma, assim como o braço da batedeira ou mixer deve ser de metal.
O recipiente deve ser fundo o suficiente para conter a espuma e evitar que transborde, cobrindo parcialmente o líquido com filme plástico pela mesma razão. Inclinar o recipiente e trabalhar com o mixer na superfície do líquido.
A lecitina deve ser incoporada ao líquido em temperaturas inferiores a 35-40o C, preferivelmente à temperatura ambiente.
As espumas leves de lecitina (aires) podem perder seu efeito se forem apresentadas como um molho, prefira montar seu prato com um recipiente para a espuma de dimensões que se adaptam à montagem.



E esta aqui  mostra a técnica de espumas usando o sifão: Aqui a receita de espuma de  morango com Cookies


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