domingo, 26 de abril de 2015

BIJAJICAS



A presença indígena na alimentação brasileira é uma constante sempre ressaltada por historiadores da gastronomia nacional. Fico contente quando descubro preparações de valor simbólico sendo ainda preparadas como antigamente, tendo memórias resgatadas e possibilitando a juventude provar os sabores de um passado que não precisa ser esquecido. Por este motivo venho hoje falar sobre Bijajica.






A Bijajica é um bolo cozido no vapor típico da região sul do litoral do estado de Santa Catarina, compreendendo os municípios de Palhoça, Paulo Lopes, Garopaba e Imbituba, à base de massa de mandioca crua ralada e espremida, amendoim triturado e açúcar, aromatizado com especiarias como erva doce, cravo e canela. A receita tem origem indígenas, mas se aprimorou ao longo do tempo graças a influência dos açorianos que se instalaram em Santa Catarina em meados do século XVIII.
A mandioca e o amendoim trazem à tona a origem indígena da Bijajica: estes dois ingredientes sempre foram povos guarani no litoral catarinense – como também por outras etnias indígenas brasileiras. Na preparação indígenas, os guaranis desidratavam a mandioca em trançados de palha (tipiti) e socavam o amendoim em pilões de madeira. Depois, juntavam os dois produtos e coziam ou assavam a massa envolta em folhas de bananeira, ao vapor ou direto no fogo.



O formato atual da bijajica, bastante presente no litoral de Santa Catarina, deve-se as adaptações feitas nos engenhos artesanais de farinha de mandioca na região. No século XVIII os engenhos de farinha se multiplicaram com a presença dos imigrantes açorianos e durante dois séculos foram a mais importante estrutura produtiva da agricultura familiar daquele território, atingindo o ápice da produção no final do século XIX – tinha como base de produção a “farinha polvilhada”, mais clara e fina em relação àquelas produzidas em outras regiões do Brasil, cuja temporada de colheita e de processamento desta farinha chegava a durar 4 meses (maio, junho, julho e agosto), época em que as famílias e  agregados se reuniam no interior do engenho para a execução das etapas do feitio, chegando a passar noites a fio trabalhando.
Os engenhos possibilitaram a obtenção em qualidade e quantidade a massa crua de mandioca, base da Bijajica. Outro produto do engenho era o açúcar mascavo. Aos açorianos catarinenses credita-se o uso das especiarias na receita, que auxiliadas pela técnica indígena do cozimento ao vapor teve o formato do bolo melhorado, principalmente com o uso das cuscuzeiras, utilizadas também no preparo do cuscuz de milho.



Mas existe ainda em Santa Catarina outro tipo de bijajica: uma espécie de rosquinha frita, feita de polvilho doce com ovos e açúcar que, provavelmente, é outra introdução dos conhecimentos açorianos na alimentação local. Infelizmente, os engenhos de farinha têm diminuído e os saberes tradicionais relacionados a eles. Sabe-se hoje da presença da Bijajica, porque sua presença ainda é vista em festas comunitárias e circuitos alternativos de comercialização. Por este motivo, na tentativa de transmitir o conhecimento, segue abaixo a receita simples da Bijajica, para você testar em casa.

Bijajica (bolo)

500g de massa de mandioca crua (você vai precisar de um quilo de mandioca ralada e espremida para conseguir as 500g de massa crua)
1 xícara de açúcar mascavo (ou o branco)
1 colher de chá canela
1 colher chá de sal
500 g de amendoim vermelho cru triturado

Preparo: Misture bem todos os ingredientes e coloque, sem apertar, em uma cuscuzeira ou panela de vapor, forrada com pano de algodão ou folha de bananeira. Feche e cozinhe por mais ou menos meia hora ou até sentir com os dedos que a massa está cozida e grudadinha.


Bijajica (rosquinha)

3 ovos grandes
Meio kg de polvilho doce
9 colheres (sopa) bem cheias de açúcar
1 pitada de sal
Óleo para fritar

Preparo: juntar os ovos, o sal, o açúcar e misturar como se fosse uma gemada, em seguida ir misturando o polvilho até dar o ponto de soltar das mães e ir amassando bem. Sovar até dar liga. Enrolar e fazer as rosquinhas. Fritar em gordura morna (em torno de 40º C).

quarta-feira, 1 de abril de 2015

La Capirotada - sobremesa mexicana para a Quaresma


 Não, eu não vim falar de diabruras – é que no Brasil, Capiroto é um nome para referir-se ao diabo, que ele esteja longe de nós. Hoje, a ideia é apresentar algo simples e doce para a sobremesa pascal, mas com tradição. Então, veio da tradição pascal mexicana a história da postagem que segue.


A história desta sobremesa vem da Espanha antiga. Ao final do quarto e início do século V, entre os pratos favoritos do Império Romano se cozinhava uma preparação muito parecida com a capirotada de hoje, porém salgada: a antiga eram rabanadas de pão torrado como ingrediente de base, embebidas em caldo de carne de carneiro onde se alternava camadas de perdiz assada. Esta receita foi passada através de uma publicação escrita em 1477 por um cozinheiro chamado Roberto de Nola, que chamou essa produção culinária de Almondrote.



A partir desta receita, em 1611, Francisco Martínez Montiño, então chefe de cozinha de Felipe III, fez a sua reinterpretação do almondrote, que nomeou "sopa de Capirotada": que apresentou como um prato que juntava carne, linguiça, lombo de porco assado e carne de perdiz assada como na receita original de Nola. A diferença na preparação foi de que na "nova receita" introduziu a estranha combinação de incluir torrejas -rabanadas de pão (geralmente de vários dias) que eram embebidos em leite ou vinho com mel e especiarias, e, depois de serem passadas em ovo batido e fritas em óleo ainda agregaram queijo ralado entre cada camada; sendo finalizada com um molho à base de queijo, alho, caldo de carne e ovos. Depois de pronta e montada, a "sopa de capirotada" era levada ao fogo a fim de ser engrossada. Neste ponto, juntava ainda uma porção de manteiga ou banha de porco para terminar de cozinhar.


O curioso sobre os dois cozinheiros citados acima é que eles não mencionam o prato como uma preparação de Vigília pascal - provavelmente porque a preparação era a base de carne. Quanto ao nome, provavelmente seja uma referência ao gorro pontiagudo usado pelos monges ou pelas irmandades espanholas que participavam de procissões da Semana Santa. Pois, aos gorros pontiagudos em formato de cone, davam o nome de capirote.

Procissão dos Capirotes

Além dessa referência, ainda posso acrescentar que o nome ainda faz alusão ao capirote por meio de um ingrediente mexicano utilizado na preparação da sobremesa, o piloncillo - espécie de "rapadura mexicana"  que se apresenta no formato de cone.


Mas como a capurotada foi para no México, e tornou-se doce?

A chegada da capirotada no México veio com as primeiras visitas de Hernán Cortés. Acredita-se que foi com este prato que o conquistador envenenou a Francisco de Garay. Em 1780, Frei Geronimo de San Pelayo incluía no seu livro de cozinha uma receita que referia a capirotada como um prato de vigília. 

A receita de San Pelayo consistia em várias camadas de pão, queijo e molho à base de tomate. Este novo prato espanhol passou a ser preparado com mais frequência durante o século XVIII.


Provavelmente, a popularidade do prato sem carne deve-se ao resultado de algumas crises de alimentos ao longo da segunda metade do século XVIII, quando a carne era escassa.
Pode ser, também, que tratava-se de um prato sazonal e de status social uma vez que a carne tinha aumentado consideravelmente o seu preço e era difícil de obtê-la.
A versão do Capirotada como um prato doce foi popularizada até o século XX, quando foi nomeada receita de vigília. Atualmente, é uma sobremesa muito típica da culinária mexicana, onde região tem o seu próprio estilo e modo de preparo: entre as famílias mexicanas é algo muito tradicional que se inclui acompanhando com uma série de pratos na Quaresma, como peixes, tortas de camarão, empanadas, croquetas, lentilhas, favas e feijão.


A capirotada é uma sobremesa especialmente típica nos estados de Aguascalientes, Baixa Califórnia, Guanajuato, Jalisco, Michoacán, Sinaloa, Sonora, Zacatecas, Durango e Tamaulipas. É composta por pão torrado, ou pão velho e seco, cortado em fatias como rabanadas que são cozidas com uma calda de especiarias com piloncillo, que ainda pode ser intercalada pedaços de banana e maçã, passas, nozes, amendoim, coco ralado e goiaba, coberto com calda de açúcar mascavo e queijo de mesa ralado.
Abaixo, segue uma versão simples da capirotada. De repente você resolve preparar essa sobremesa para incrementar sua mesa de doces no almoço de Páscoa.

Capirotada

Manteiga o quanto baste para fritar
20 fatias de pão branco com 2cm de espessura
2 litros de água
½ quilo de piloncillo (uma espécie de rapadura mexicana no formato de cone, pode usa rapadura brasileira)
1 xícara de açúcar
2 paus de canela
4 cravos da india
½ xícara de amendoim
½ xícara de passas
150 gramas de queijo adobera (com queijo manteiga fica ótimo)
½ xícara de nozes picadas
Nozes em metades para guarnecer

Preparo: Pegue as fatias de pao seco e fritar na manteiga até que fiquem levemente douradas. Ferva a água junto com a rapadura, açúcar, canela e cravo, espere até que a mistura ganhe a consistência de uma calda rala. Coe e deixe esfriar e espessar. Em uma travessa coloque a primeira camada de fatias de pão frito, coberto com amendoim, passas, nozes e queijo ralado. Banhar-se com a calda e repita o procedimento até que o recipiente esteja cheio.  Decore com metades de nozes e pastilha. Leve para assar em forno médio até dourar.